Alexandre: Eu preparei um
material que não é o meu trab. Não vou falar nada do meu trabalho. Eu construí
uma coisa que tem haver com o que estou propondo pro meu doutorado. E que eu
dividi em duas partes, uma parte é um pouco mais textual. São alguns elementos
que eu reuni de dois autores: Um deles é o
Mauricio
Lissovsky http://www.pos.eco.ufrj.br/docentes/prof_lissovsky.html
“A Maquina de Esperar” e o outro é o
Joan
Fontcuberta - http://www.fontcuberta.com/ - que
é “A Câmera de Pandora”. Essas duas pessoas tratam da fotografia nessa virada
do período moderno para o contemporâneo.
Esse aqui... moderno, até ao
subtítulo é a origem e estética da fotografia moderna e o Fontcuberta trata um
pouco desse fenômeno agora da fotografia se confundindo com a esfera cotidiana
e quase que banal. Então de certa forma os dois discutem a questão de que a
fotografia desde o início carregava um compromisso nas costas de que ela surgia
como uma técnica que dava conta de ser um documento; um documento do que
aconteceu.
E os dois começam a falar de como
ela começa com esse compromisso, essa promessa de ser um documento e ela mesma
suscita uma discussão do que a gente entende por documento, do que a gente
entende por verdade. Como se ela mesma, a própria técnica que chegou como
documento, reverte toda a discussão. Então esse documento é revisto e
reconsiderado na cena contemporânea.
Na segunda parte eu coloquei uma
série de fotógrafos da produção contemporânea asiática. Então quase todos estão
entre Tailandia, China e Japão. E que a meu ver são pessoas que curiosamente
trabalham com uma fotografia, no ponto de vista da captação, de um modo muito
formal. Mas em quase todos o conceito de documento escapole, fica escorregadio.
A gente tem dúvidas em relação ao que a gente vê: “o que é isso?” “Isso é real?
Fabulação?”.
Eu começo um pouco com uma provocação
com essa definição da fotografia que a meu ver que a própria formação da
fotografia, seja nos cursos de fotografia de alguma maneira ela reafirma esse
compromisso dela como documento como se a gente aprendesse a olhar pra
fotografia e sempre entender que ali é um documento do que aconteceu.
Em geral a fotografia é vista assim: câmera,
luz, material... e processo laboratorial. Um processo que na verdade passa
invariavelmente pelo registro de algum elemento que está rebatendo luz e é
captado e registrado pelos materiais foto sensíveis e num processo laboratorial
ele se evidencia. Temos um desenho fotogênico de penas e rendas do ...... de
1839 que nada mais é que a questão do fotograma – Eu ponho coisas em cima de um
papel fotográfico, acendo uma luz e o papel grava coisas que estavam sobre ele
como essas penas e as rendas. O que coloco e que é um ponto nos âncora a essa
ideia é que a fotografia é geralmente entendida como técnica e não como
linguagem.
Na Universidade (UFPA), no
Fotoativa, no Curro Velho, como
invariavelmente um curso de fotografia começa sobre como a fotografia acontece
e da afirmação de que é um registro. E quase sempre a discussão se esgota toda
nesse campo e que ela dificilmente passa para o campo da linguagem. Na academia
tem mais espaço, principalmente a galera da pós-graduação, essa questão começa
a ser tratada, mas na graduação fica uma coisa de “vamos experimentar fazer
fotografia”. Em geral a fotografia é abordada em escolas e academias a partir
da sua história, enumeração linear de eventos, autores, evoluções técnicas e
estilos, e não a partir de um questionamento de suas especificidades enquanto
linguagem. O por um paralelismo com outros parâmetros ou outras disciplinas
culturais. “Pará que a fotografia se torne algo transparente é preciso apagar
todo o rastro de evidência material”, essa é uma afirmação do Lissovsky, mas
falando do quanto a gente precisa se desapegar um pouco desse valor documental,
do procedimento técnico do registro da luz pra compreendê-la como linguagem. Para
avançar a discussão.
Eu começo a falar da nossa
relação com imagem em nossa cultura a imagem é o equivalente, o vestígio ou o
índice de algo que existiu na realidade material se a nossa cultura valoriza
esse perfil funerário a máscara mortuária, e agora a fotografia e porque todos
eles são entendidos não como representação mas como vestígios materiais.
Aqui tem um clássico que é o Roland Barthes que é um dos que mais afirma enfaticamente isso - na foto o significado não
está nela mesmo, na fotografia, mas na realidade da qual ela surge e da qual
ela é contingente. Contingente é um objeto verdadeiro, um testemunho das
existência do mundo real, isto aconteceu – Roland Barthes
fala que o valor da fotografia não está na fotografia, nela em si mas no lugar
de onde ela provém. Então Barthes é um dos que mais afirma esse valor
documental da fotografia.
Aqui eu tenho talvez o que seria,
até então, considerado como o primeiro registro fotográfico que é uma vista da
janela em Le Gras realizada, mais ou menos, entre 1826 e 1827. Aqui a
fotografia como memória. A nossa relação que começa a existir com a memória –
entendida como índice a fotografia funciona como equivalente físico e material
da memória. Esta, como indica sua origem etimológica, está relacionada com a
mente. Se pega a palavra memória que deriva da raiz raiz “mem” que indica ter
uma atividade intelectual e relacionada com o verbo minisce que quer dizer
colocar-se no espírito. A memória, resumindo e considerando essa variação,
implica uma dimensão espiritual, está ligada ao mundo dos espectros.
Logo, fotografia é uma realidade
é igual a uma imagem como índice a relação é a contingência entre esse mundo
real e esse elemento construído e a função é uma memória, a gente, através dela
se recorda desse elemento real. A imagem é o rastro que o percepto deixa na
mente quando a percepção é descontinuada. Uma imagem é, portanto, uma impressão
visual que fica em nossa mente quando fechamos os olhos só podemos vê-la por
meio da memória. Então, imaginem que a imagem é uma coisa que fica aqui e que
passamos a ver ela só quando se interrompe a percepção. Ao se interromper a
percepção e fechar os olhos a imagem se revela como algo que já se depositou na
mente e que só podemos vê-la por meio da memória. A memória então se assimila
com o vivido e com o processo de cognição, é um processo seletivo das
experiências vitais e sensoriais mais importantes, porém é um processo ativo e
criativo que implica numa reciclagem contínua desses preceptos e conceitos.
Lembramos que a palavra perceber
tem a mesma raiz que conceber no sentido de cogitar e/ou pensar. As emoções
modificam efetivamente a percepção. Socialmente a memória, no entanto, e tida
como algo neutro, transparente e mecânico. A gente sempre acha que a memória é
fidedigna tanto quanto é a fotografia enquanto documento e cada vez mais se dá
conta de que a memória é uma questão editada. O que sentimos, nosso estado
emocional modifica a percepção que está se tendo, é muito comum se ter uma
ideia de um fato que aconteceu – uma memória – e considera-la absolutamente
fidedigna do que aconteceu e basta se deparar com a mesma análise de outra
pessoa que também viveu a cena para perceber que a memória da outra pessoa não
corresponde a nossa. Então esse dado foi filtrado pelo nosso emocional, nós
abrimos mão de algumas coisas, editamos a memória. Me deparo várias vezes com
isso, as vezes com minha mãe me lembro de um cena e ela diz que lembra do fato
mas que não acontecera daquela forma. E você começa a se dar conta de que
editou toda a memória.
Nando: Acho que isso que estavas falando tem haver com a questão do
teatro, do “ponto de vista”; da fotografia como registro que fica, mas se
alguém estivesse mais para traz veria de um outro ponto de vista, que é o que a
gente tem enquanto plateia numa relação com a pessoa que está em cena. Com eu
estava falando no início sobre a questão da memória é exatamente um dos pontos
que mais me deixa “louco”, não é essa memória de “há vamos lembrar alguma
coisa”, mas de como essas questões ficam registradas, o que elas nos trazem e
como é que podemos ativar isso novamente. Esse exercício de como é que se
reativa uma coisa que você viveu ou uma sensação que você teve e que você quer
comunicar, usar daquilo pra comunicar.
Alexandre: O Nando falou sobre o ponto de vista e eu reforço a
questão do estado emocional, pois falaste sobre a tua impressão do que era o
navio Presidente Vargas, quando criança, de que era um navio enorme – E pra mim
também. Enquanto falavas eu lembrava, essa também é um memória viva pra mim (o
navio Presidente Vargas), sempre associava com esses transatlânticos. E minha
mãe falava “que era um navio que ia pra Mosqueiro e pra Soure” então tinha a
coisa humilde mesmo, do lanche, e da bolacha, do “pão com manteiga”, e que tem
uma memória construída mas que na verdade foi editado, um ponto de vista
infantil.
Como quando se volta a entrar num
lugar que se ia quando criança e se diz – Nossa! Esse lugar é pequeno... A
impressão que eu tinha é que ele era imenso. Isso porque o nosso estado de
espirito daquele momento constrói essa imagem. O encontro das duas, ambas,
fotografia e memória têm como objetivo principal armazenar algum tipo de
essência imaterial, instantânea e volátil: Aquilo que foi, existi agora
resistindo à morte na imagem e na memória as duas funcionam de maneira parecida
trazendo ao presente imagens do passado de um modo visual. Uma, a memória faz
isto de um modo mental enquanto a outra, foto, o faz de modo material.
O Benjamin faz referência ao
detalhe como elemento central de diferença entre a pintura e fotografia, jamais
como técnica, dessa apreensão. Enquanto que a pintura contempla a realidade a
distância a fotografia penetra profundamente na textura. Foi uma das coisas
surpreendentes da fotografia que com um clique detalhava os tijolos,
paralelepípedos da rua e detalhes tão ínfimos que na pintura não se detinha. Só
podemos nos lembrar (e esse é um fato curioso de memória e imagem) daquilo que
vivemos. Contudo, inconscientemente todos acreditamos conhecer algo alheio a
nossa experiência direta. Temos a certeza, por exemplo, de conhecer uma ameba,
a Patagônia, a Grande Muralha da China o Grand Canion, mas na realidade sabemos
como eles são? Nós os conhecemos verdadeiramente ou apenas temos uma ideia?
Aquela expressa pela foto – a que todos os demais conhecem. Cremos de maneira
mais ou menos inconsciente de que a informação fornecida pela foto é
verdadeira? Compartilhamos a sensação de possuir, participar, de experiências
que vivemos apenas por meio de imagens? Pode-se falar deste conhecimento de
segunda mão como memória?Há uma coisa muito curiosa que é desse mundo
contemporâneo das imagens: mas do que uma memória as imagens publicas
constituem uma invenção ou um substituto dessa; o poder da memória social e do
que ela constrói é tão grande que começamos a agir como replicantes que vivem
de acordo com uma memória artificial implantada. Fazemos até as nossas fotos
pessoais de recordação segundo padrões socialmente estabelecidos. È incrível
como hoje vivemos com uma memória muito vasta e que se formos um pouco mais
críticos veremos que se trata de uma memória implantada. Não é uma memória
nossa, nós a adquirimos de segunda mão. Já chegou a nós como uma edição de uma
edição de uma outra edição. Logo, a questão da memória começa a se tornar cada
vez mais complexa.
Fábio: Eu me lembrei de revistas de viagem; Pessoas compram
revistas de viagem pra construir uma memória que viajou nesse lugar, achei
totalmente interessante... Veio na minha cabeça isso, e também veio a questão
do emocional... Já entrei em exposições
de arte em que vi tudo e nada me criou memória por que meu emocional não estava
bom; nenhuma imagem fixou, nem construção. Não peguei o olhar do fotografo, não
peguei nem uma pintura. Nada ficou.
Alexandre: Tem uma estória incrível que eu lembro sempre do Sinval
Garcia. Ele fez um trabalho em que ele pegava o papel fotográfico e dentro do
laboratório ele enfiava o papel nos químicos
mas não o papel todo; Então tinha partes do papel em que o químico não
passava, e o certo é que o químico criava uma paisagem; criava uma mancha que
depois ele revelava e ele via ali paisagens de lagos, de montanhas; e ele as
titulava com nomes como monte “alguma coisa” da Tanzânia, Lago “sei lá o quê”
de Nairóbi. E ele dizia que na exposição vinham pessoas dizendo emocionadas –
Eu fui nesse lago... Eu vi esse Lago. E eu vi essa cena, ela me pertence também
e era uma memória completamente ficcional. É legal pra gente pensar nesse
emaranhado que constitui a nossa história, o nosso conceito de documento, o
nosso conceito de verdade... Começamos a ver que estamos num emaranhado de
afirmações.
Luciana: Você estava falando sobre estas questões de foto de
família e eu estava me lembrando que aconteceu uma coisa muito engraçada
comigo. Meu pai morreu eu tinha dois anos de idade, então tem muitas fotos dele
e muito poucas comigo e tem as estórias que eu ouço das pessoas contando da
reação dele comigo e comecei a me lembrar de estórias e passagens minhas e fui
perguntar pra minha mãe que disse que não tinha se passado daquela forma. Eu
tinha inventado um estória minha com ele a partir daquelas fotografias e das
estórias que eu ouvia. É engraçado isso de fotos de família que a gente vai
construindo uma memória que não é mais documental: documento verdade.
Alexandre: E é uma memória que parece ser uma memória possível.
Talvez seja uma memória que a gente suporta carregar com a gente. Sabemos
também que nessa reedição nós suprimimos questões sem perceber e retocar
outras. É muito legal perceber essa matéria volátil.
Os primeiros fotógrafos e os
primeiros interpretes da fotografia louvaram nela a representação precisa, a
suposta impossibilidade da invasão do fantasioso e do impreciso na produção da
imagem fotográfica o seu caráter industrial e científico. A fotografia criava
uma visualidade própria da sociedade industrial, supostamente bania da imagem
as fantasias, crendices e fabulações barrocas da sociedade precedente. E legal
até compreender o momento em que a fotografia surgiu junto com o advento da
revolução industrial e esse compromisso com um olhar mais pautado pela verdade
deixando pra trás aquele fantasioso e decorativismo barroco.
Edipo: Alexandre, não seria por isso que a fotografia ainda está
presa a questão da técnica por esse momento de racionalidade, de precisão, de
manufatura em que ela foi criada?
Alexandre: Talvez. Eu acho que
ainda de certa forma – Uma opinião minha – ainda existe um senso comum de que a
foto ainda guarda essa verdade. A questão da dúvida que paira sobre esse
documento é cada vez maior. É claro que uma das coisas que foram mais evidentes
para que isso viesse à tona fortemente foi o advento do digital. Não sei se
vocês sabem que para a jurisdição uma fotografia digital não é documento, não é
prova, mas uma analógica o é. Havia uma falsa ilusão de que o negativo era
prova. Uma vez que foi marcado pela luz – se está no negativo é real. O arquivo
digital é corrompível, há várias possibilidades de alterar, como tirar uma
pessoa da cena e etc. Mas, curiosamente, achamos que o documento só entrou em
discussão ou em dúvida a partir do digital e pra isso eu coloco uma foto do Daguerre,
que é de 1838 (praticamente o surgimento da fotografia) em que o Daguerre fotografava
as ruas de París da janela de seu ateliê. Curiosamente, são imagens em que
paris sempre aparece como uma cidade praticamente deserta aonde ninguém anda
por esta cidade. Poderia se dizer do documento que é provavelmente muito cedo
da manhã, e, no entanto há uma questão do próprio procedimento: O tempo de
exposição era tão longo que as pessoas que estavam em movimento não eram
registradas pela imagem e talvez as únicas que foram registradas sejam a dupla
que aparecem numa esquina que é um engraxate e uma pessoa que está sentada
tendo seu sapato engraxado. O Fontcuberta relata que ha pouco tempo surgiu, do
nada, uma segunda fotografia deste mesmo ângulo em que a dupla não está lá e
que ele coloca na verdade isto que está sendo muito discutido atualmente na
fotografia e a relação performativa: o fotografo enquanto um performer. Ele
questiona até que ponto esta dupla não foi colocada em cena – se essa cena não
foi dirigida. Até hoje se afirma que uma fotografia é indicial não só porque a
luz indica que ali tem um referente que rebate essa luz, mas também porque a
fotografia indica que alguém, esse alguém é o fotografo, elegeu aquele tema,
enquadrou, retirou outras questões e arrancou ele do real para campo da
linguagem. Então, ela também é indicial porque existe uma relação performativa.
O fotografo sempre vai ser aquele que decide que vai arrancar algo do real e
jogar no campo da linguagem.
Só para expressar o quanto a
dúvida do documento talvez sempre tenha pairado sobre a fotografia e por muito
tempo se manteve talvez em suspensão. E parece que o mundo, a cena
contemporânea, trás essa questão a tona e quando começa a se rever toda a
história da fotografia se vê bem que essa questão sempre esteve lá. O que de
certa forma não era discutida: havia uma ilusão nesse documento.
Karine: Não
existe forma de se manipular a fotografia analógica?
Alexandre: A princípio sim, mas o negativo propriamente dito, não.
Vários fotógrafos se referem que quando se clica pra capturar uma imagem essa
já está decidida mentalmente. Imagina que você editou, você recortou, mesmo no
instante decisivo... Aparecem filmes do Breson fotografando, em que ele baila
com a câmera escolhendo o enquadramento, e ele fala que sentava numa cadeira do
parque e enquadrava porque ele já sabia que lá seria capaz de acontecer uma
cena e ele ficava esperando a cena acontecer. Existe uma indução.
Victor: O ...... Fazia isso Naquela
performance do salto para o vazio. Ele edita a imagem pois não tá pulando da
janela e tem um colchão em baixo.
Alexandre: É uma manipulação que não tá na matéria propriamente
dita mas que está no campo da linguagem.
Fabio: Já fiz foto de laudo e tem que anexar no documento o
negativo e as fotos do analógico.
Alexandre: É uma ilusão também...Na medida que a câmera e a lente
ofereciam meios de se ver o que por outros meios não podiam ser vistos a
fotografia se apresentou como um mecanismo de introduzir alterações nos
processos interativos dada a diversidade de suas funções: das puramente
técnicas, as puramente artísticas, passando pelas relativas ao lazer, a memória
do homem comum e também pela pluralidade de sentidos que é tanto pelo lado do
fotografo quanto do lado do fotografado assim como o lado do espectador da
fotografia.É colocada essa pluralidade – essa relativização de documento e de
verdade do diversos pontos de vista. Nesse sentido a fotografia se afirmou como
um componente do funcionamento de uma sociedade cada vez mais visual
intensamente e independente da imagem. Mas não seria ela o melhor retrato dessa
sociedade? E nessa perspectiva que se pode encontrar o elo entre a
cotidianidade e a fotografia.
A fotografia é hoje como
representação social e memória do fragmentário que é um modo próprio de se ver
essa nossa sociedade contemporânea. Mesmo que tenha tido uma origem difusa e
funções inespecíficas a fotografia vai se definindo no contemporâneo como suporte
de necessidades de vínculo entre momentos desencontrados do todo como documento
de tensão entre ocultação e revelação tão características da cotidianidade. O
Fontcuberta fala que a fotografia cada vez mais com essa coisa das mídias
móveis e dos equipamentos digitais leves, ele fala da fotografia como prótese.
Antes o gesto de decidi fotografar era precedido de uma intensão que tinha que
ter um esforço físico – Tinha que se apertar o botão com força e rodar. Hoje em
dia com o touchscren e os novos aparelhos de fotografia basta passar o dedo e
já fotografou. Já está tão próximo da gestualidade do corpo fotografar que
Fontcuberta fala da fotografia hoje na
contemporaneidade já não é mais tão entendida como a afirmação de algo que
existiu, mas é uma afirmação de existência. Então, você se fotografa ou
fotografa cenas tão banais como se estivesse o tempo todo se afirmando: eu
existo...Eu existo... Junto com isso fotografamos e postamos como se quisesse
dizer pra todos – Eu estou aqui...Eu existo...Eu passei por esse lugar – E é
muito curioso isso, compreender uma nova perspectiva da fotografia que é a que
se vê hoje. Fotografia que chegam a ser até desconfortantes com enquadramentos
banais, mas a potência está naquele flagrante tão desconcertante.
Nando: Eu me lembro de um tempo em que a gente tinha essa questão
da fotografia da família. Se conseguia um filme que tinha doze chapas. Você
batia. Mandava revelar. E era caro, não dava pra fazer todo o tempo a hora que
quisesse. Tinham os dias especiais. Agora não.
Fico pensando em como isso vai
criando realidades, uma por cima da outra, e como, quem tá nascendo com isso,
quem tem hoje três anos de idade e é uma criança que está vivendo com isso,
como é que em trinta anos isso vai se dar. Essa saturação. Puxando pra questão
da memória, eu consigo lembrar de uma fotografia que eu tirei com meu sobrinho
no colo, sentado na praça de São Brás. Eu consigo lembrar dessa fotografia
porque era raro fazer isso de sair com uma maquina pra poder fotografar, então
esta fotografia eu nem me lembro de como ela era porém me lembro de ter tirado
essa fotografia com meu sobrinho com 2 anos de idade e o pai dele tirando a
fotografia. Imagina agora você se lembrar de uma fotografia que você tirou
ontem. Com certeza ontem você tirou uma fotografia, mas não tem a menor ideia
de qual foi.
Alexandre: O Fontcuberta fala da proximidade. Essa nova geração
certamente já nascem com um novo entendimento de memória que não é o nosso. E a
velocidade com que essa geração registra, analisa, descarta e edita é grande.
Eles fotografam, olham e descartam. Fontcuberta fala que é quase na velocidade
do piscar dos olhos. E sabemos da quantidade de próteses que hoje estão sendo
colocadas – Chips! – a retina está começando a ser substituída, os cegos estão
podendo ter acesso a imagem. Estamos rapidamente, a uma velocidade incrível,
agregando equipamentos ao corpo propriamente dito e vinculando eles com nossos
procedimentos mais naturais.
Victor: Falas da fotografia como afirmação da vida. Como uma
espécie de prótese. Recentemente um amigo meu veio a falecer e ele estava numa
residência artística na Turquia. Havia passado uma semana e ninguém sabia dele
porque ele tinha parado de postar fotografias da viagem. Meus amigos ficaram
preocupados até que a irmã dele procurou a policia Federal e descobriram que
havia um atestado de óbito e que ele tinha falecido. Então é curioso perceber
isso, como a gente vive isso.
Alexandre: A morte vem por essa ausência do afirmar do existir. É
curioso isso, teve uma amiga minha, Isabela Prado de Minas gerais, que faz
muita residência artística em local “punk”. Era uma residência artística na
qual os artistas não podiam relatar a alfândega que eram artistas, e tinham que
entrar como turistas e conseguir chegar até a Palestina. E a Isabela decidiu –
escolheu dez pessoas e eu era uma dessas – que iria fazer um diário.
Diariamente iria postar imagens e fatos; e ainda disse – Se por dois ou três
dias o diário não for alimentado eu peço que comecem a se ‘movimentar’. E é
incrível como a gente começa a ver que nossa relação com a imagem é a afirmação
do existir: faz parte do nosso respirar.
Por meio dela ( a imagem)
revelasse o oposto ao entendimento de uma estrutura cristalizada e imutável.
Ela entrosa-se dinamicamente nas necessidades do processo social enquanto
documento da cambiante suposição das personagens. Como nos jogos eletrônicos
ela ganha sempre. Antecipa-se ao jogo reinventando a regra a cada jogada. A
fotografia se propõe ai como documento da incerteza e não da certeza.
O Lissovsky também fala da
fotografia contemporânea como um documento da deriva. Os enquadramentos geram
fotografias completamente a deriva a mercê de um fluir.
Eu fui a uma palestra, na UFMG,
que era de uma incorporação também contemporânea do erro na fotografia, da fotografia
impura. Então, o que a 10 anos atrás era inadmissível uma fotografia conter; do
ponto de vista do enquadramento, da sombra ou do “sangue”; até pra uma
fotografia publicitária. Hoje a fotografia contemporânea absorve isso tudo como
afirmação desse “a deriva”. É como se fosse um documento absolutamente
contemporâneo, a fotografia passa a incorporar isso quase como uma assinatura.
O que é muito legal.
Hoje a gente se depara quando vai
em salões de arte contemporânea no senso comum alguém olhar e dizer – Mas eu
faço essa fotografia...! E na verdade está trazendo algo dessa nossa nova
relação com a fotografia e com o equipamento. Na fotografia, o essencial não é
a perfeição do seu processo da captura do real, mas o fator psicológico que ela
satisfaz. Por um meio mecânico o nosso apetite de ilusão se perpetua. Sob a
metáfora da pequena bola de vidro de cristal ela impõe ao imaginador o reinado
da imaginação. Nosso vínculo com a arte é a evidencia de que optamos pelo sonho
por acreditarmos na ilusão da realidade. Isso não quer dizer que tudo está
perdido. Que não temos mais como sair do mundo das sombras se aceitarmos a
polissemia como um arranjo saudável dada a relação de uma certa positividade.
Fica algo como: Não temos mais
verdades, tudo foi implodido. Não é que não tenhamos mais verdades, mas está
foi relativizada. É melhor compreender que podem existir várias verdades ou que
verdades são afirmações provisórias que podem durar um pequeno e curto espaço
de tempo. Compreendendo esta polissemia se pode encarar o contemporâneo de uma
forma mais potente.
Reconhecermos a existência de uma
força resultante de uma envolvência sensitiva que nos impulsiona sempre em
direção ao novo com estímulos irresistíveis e atraentes aos sentidos desenhados
por uma espécie de acrobacia que executamos com elementos que animam a nossa
vida. Hoje poucas são as afirmações estandardizadas de movimentos ou grupos que
sobrevivem a um espaço polissêmico de criação que busca acompanhar o ritmo
veloz e fugidio do nosso tempo a cena contemporânea revela uma nova relação da
fotografia com o mundo inserindo-se nas mais variadas formas do tecido social
sem necessariamente se inspirar nele uma nova mitologia a partir de modelos que
tem em comum o fato de estabelecer vínculos entre vida cotidiana, e formulação,
e afirmação de modos de ver ficcionais.
Esse documento, essa memória é a
afirmação de tudo que pode ser ficcional, mas pode ser verdade. Pode ser a
afirmação de uma verdade possível. Vários autores e até sociólogos falam que
até hoje já não dá mais pra se falar de identidade. Tal termo não se sustenta
mais. Hoje se fala muito mais de identificação. Identidade que antes era
compreendida como uma coisa cristalizada e inalterada. A Luciana é a Luciana e
a pessoa que a gente conhece enquanto que na identificação a gente sabe que tal
pessoa está em permanente revisão. Por exemplo: A Luciana que está aqui não é a
mesma pessoa que vai estar daqui a quatro horas no Bar. E é esse o caráter
cambiante das identidades, nossas verdades e afirmações.
Nessa nova perspectiva os estilos
de vida assumem o status de modo de ação performativa e vice-e-versa. O tempo
vivido e o da criação se sobrepõe um ao outro numa conformação de uma
relatividade provisória a ser experimentada e vivida a partir de princípios de
aglutinação dinâmicos e momentos de convívio construído. Estamos falando de
como a nossa vida se confunde com uma relação performática. Vivemos num grande
caldo performático, de ações performativas e de jogos e de construções de
memória e de verdade e etc. O ponto incomum entre essas práticas reside tão
somente em sua faculdade de indicar trajetórias possíveis dentro do caos que é
a realidade. A imaginação se oferece neste caso como uma prótese que se fixa no
real para conceber espaços de intercâmbios possíveis. A relativização de todos
os elementos.
Vivemos em um tempo de verdades
provisórias. Não há por que temer o novo, o que não coaduna com nossas certezas
– Afinal, de que certezas nós estamos falando? Atermos a certezas absolutas
pode, em alguns casos, ocultar e afirmar uma pretensão de superioridade por
meio de uma privilegiada associação com o saber tradicional. Então quando se
afirma uma verdade absoluta é por que ali existe um estandarte de sustentação
de uma afirmação de poder. Circunstâncias mutáveis e o encontro com novas
relações podem oferecer novo alimento a reflexão e ocasionar novas orientações
fazendo com que o conhecimento continue perene, mas em outro sentido. Afirmar a
produção e interpretação de imagens como espaço da experiência do viver é uma
maneira de garantir possibilidades gratificantes e infinitas de interpretações
da vida. Na medida em que nos lançarmos de maneira livre e desarmada nessa
experiência recebemos em retorno nossa vida transfigurada esteticamente.
É a questão do deixar-se lançar
ao exercício... E aqui eu faço uma referência, falando esteticamente do que me
agrada, por exemplo, ter visto aqui no (Reator)o “incidental” do ponto de vista de que a gente tá mergulhado numa
experimentação cênica, quase que auto biográfica de uma pessoa que vive num
espaço aonde eventualmente ela acorda, desce, experimenta, sobe, dorme. E isso
parece pra mim muito mais instigante que me deparar com o ponto de vista
linear; uma narrativa construída de início, meio e fim que talvez não coadune muito
com o que compreendo dessa forma como articulamos as coisas contemporâneas.
Clik para seguir o LINK com a "apresentação" preparada por Alexandre Sequeira para o workshop peformance + fotografia + vídeo + multimidia